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'Sin chile, no es comida'


chiles y jalapeños

Entre tantos ingredientes que se misturam e fazem a alimentação mexicana tão 'rica' - nutritiva, diversa e saborosa - em sua essência, e uma explosão de sabores quando degustada, vamos ousar neste texto a colocar os Chiles (pimentas), juntamente ao Maiz (milho), como os alimentos de base da alimentação mexicana, pelo menos é o que estamos observando e experimentando em território de los astecas y mayas.


Isto é, desde a cidade do México no vale central a mais de 2.000m de altitude, passando por zonas áridas, de matorrales de Oaxaca (capital de los chiles) e Puebla (capital gastronômica) até a fronteira sul com a Guatemala, já em zona geográfica de floresta, a selva Lacandona, los chiles están por todo lado y plato, uma tradição cujas raízes estão fincadas e as variedades espalhadas pelos diferentes solos, ambientes, pueblos e famílias do México.


Assim como ocorre com o Maiz, há também uma divergência quanto aos centros de origem dos Chiles, entre os berços das civilizações americanas, que se desenvolvem contemporâneas há aproximadamente 10.000 anos atrás. Ou seja, muito antes dos impérios que se consolidaram na América. Os Incas ocupando um vasto território na América do sul e os Astecas localizados no que hoje corresponde o território mexicano. Logo, alguns historiadores e arqueólogos apontam a datação mais antiga dos vestígios, logo a origem do chile para a América do sul, mais precisamente a região do altiplano andino no Peru.


Outra versão da história sustenta que algumas variedades surgiram já no México, logo seriam nativas silvestres cujas sementes foram transportadas por pássaros (resistentes a capsaicina - substância picante), desde o sul do continente, a qual desde muito seguem sendo domesticadas integrando a alimentação, os rituais e a medicina tradicional, em ambas culturas de tempos remotos.


Sem querer entrar no mérito dessa discussão, e estando ambas culinárias de origem pré-hispánicas entre as mais famosas mundialmente (e também entre as preferidas por nosotros), sob nossas impressões de 'viajeros' percebemos a cultura do chile mais presente e intensa no México. Observamos tanto na culinária tradicional (como um ingrediente de um grande número de pratos do dia a dia) como também mais arraigada no gosto e paladar da gente. Além disso, como destacado, é um conceito percebido em todas as regiões do país por onde passamos, representando de fato, para além de um símbolo nacional, um alimento base e indispensável, insubstituível para quase todos os mexicanos.


Diferente por exemplo no Brasil e outros países sul-americanos, donde se consomem mais a pimenta como um tempero ou condimento que vêm agregar aos pratos, muitas das vezes adicionados opcionalmente. Também, se verifica nesses países, um consumo mais localizado da pimenta, e um uso mais acentuado na alimentação diária apenas em determinadas regiões do país, por exemplo no Brasil a região norte e nordeste (fato associado a maior presença e influência indígena e afrobrasileira), que reflete nos hábitos e escolhas alimentares.


Na culinária mexicana a pimenta é parte integrante do que se conhece como comida, portanto não respeita as fronteiras internas dos estados ou regiões, está presente em todas as regiões e não só como uma opção a mais de tempero à comida, mas de variadas formas, misturada com diversos outros ingredientes, crua ou fresca, seca ou desidratada, em conservas, nas salsas, nos adobos (ensopados), no mole, e até nos doces.


Ademais, os chiles também são servidos como condimentos em todos os outros pratos na forma de pó ou salsa (molhos), alguns inclusive raros para nós, mas que no México pudemos degustar, como sorvete de chile, cana con chile, esquilote con maiz (milho assado na brasa), pirulitos com chile (igual do chaves), tortillas con chiles, chapulines com chiles, nem todos foram apreciados por nosso paladar, mas a grande maioria sim, foi, e muito.


Além de encantado com a comida mexicana, portanto con chile, destaque aqui para o 'Chile en Nogada' da culinária poblana (Puebla), para o qual vamos dedicar uma postagem exclusiva para ele, por se tratar de um prato típico nacional, que além de estar presente em datas comemorativas nos lares e memórias dos mexicanos, leva consigo as cores da bandeira do México, um fato curioso mas que se repete com outros pratos da culinária nacional, de um povo bem patriótico. O verde vem do chile dulce ou morrón (pimentão) recheado com picadillo (carne e chiles), o branco do creme de nogal (nozes) com nata e o vermelho, que complementa essa mistura única que provoca uma erupção de sabores quando mordida, vêm das sementes de granada (romã), listo, un saboroso 'chile en nogada' por sua natureza e geografia, se revela mexicano a todos os nossos sentidos...paladar, visão, audição, tato, gula, psiu... silencio e buen provecho!


A culinária mexicana nos encanta, e só de escrever nos dá nostalgia, e uma vontade desconcertante de retornar agora aos mercados, sentar en los comedores, escutar o que conversam as pessoas, observar quem trabalha e quem consome, as cocineras como alquimistas em seus preparos, e ali mesmo, comer onde come o povo, ali está a melhor comida, sim, considerando o custo-benefício, mas principalmente a tradição e a qualidade, que não se coloca preço, pois não há! Panela velha é que faz comida boa, já dizia aquele ditado.


Uma tradição secular... Sempre que pensamos em comida mexicana, de imediato pensamos en los chiles ou pimentas que caracterizam a culinária e alimentação mesoamericana...e de fato, como diz o ditado popular que intitula esta postagem, para conhecer um pouco mais da tradição alimentar mexicana é preciso gostar e adentrar ao mundo dos saborosos, cheirosos e picantes chiles...afinal, 'comida sem pimenta, não é comida'. Da mesma forma, é preciso respeitar o poder das pimentas, quem já passou pela Bahia, Peru e Caribe sabe o potencial de picância das pimentas nativas e a forte resistência e adaptação dos nativos para seu consumo. Em média, cada mexicano consome cerca de 15 kg de chile por ano, uma média que foge a regra da maioria dos países que não alcançam o consumo médio de 5 kg ao ano.


Entre os chiles mais consumidos estão os jalapeños, serrano, habanero (mais forte), chile de arbol, guatillo, ancho, pulla, morita, morrón, poblano, chiltepin, piquin, entre outros. São mais de 140 variedades, dos mais baixos aos mais elevados níveis de ardência. Uma multiplicidade de sabores, aromas, cores., sendo cada pimenta única e apesar de tamanha diversidade, aproximadamente 12 a 15 variedades são aquelas mais consumidas e, sempre presente nas mesas e pratos dos mexicanos, principalmente os residentes nas áreas urbanas, já que nas áreas rurais notamos um consumo de muito mais tipos e variedades compondo a dieta rotineira.

Assim como ocorre para o Maiz e muito contribui para manutenção das sementes nativas ou criollas, nota-se que em cada região do país e mesmo povoado, há uma certa preferência por um tipo de chile, o qual selecionam pelo critério ambiental e gustativo, perpetuando assim o seu cultivo através de gerações até os dias atuais, juntamente com as técnicas de cultivo, as receitas, formas de uso, preparo, conserva etc. Os chiles serrano, poblano, fazem referência a variedades endêmicas que foram adaptadas e seguem sendo cultivadas nessas regiões, de serra e, propriamente o estado de Puebla.


Esse fato cultural, se torna relevante para a manutenção dos cultivos e principalmente da diversidade e alimentação tradicional, assim como para agricultura campesina, visto ser este setor quem produz quase todas as variedades, tanto as comerciais como as exóticas, conservando assim o patrimônio que constitui as sementes nativas, como visto uma herança milenar.


Entre os principais estados produtores de chile da República Mexicana, segundo dados do CONABIO, são Chihuahua, Zacatecas, San Luis Potosí, Jalisco, Durango y Michoacán. O total da produção nacional mexicana alcança aproximadamente 2 milhões de toneladas produzidas anualmente, uma quantidade expressiva porém insuficiente para abastecer todo o consumo interno de los mexicas, fato que leva o país a também importar chiles da Ásia, como Índia e China, e mesmo dos Estados Unidos, que devido a grande população mexicana de migrantes residentes na parte sul do território, também registra nessas zonas e principalmente na Califórnia, grandes taxas de produção e consumo, que por vez, também atende o mercado mexicano.

No entanto, o cultivo e o elevado consumo de chile na dieta alimentar dos mexicanos, apesar de destoar demasiado do restante dos países da América não se traduz uma exclusividade do México, quando ampliamos esse olhar para a escala mundial. A Índia e a Tailândia, ambos localizados na Ásia, também registram elevada produção e consumo de pimentas, bem como a tradição dos chiles na culinária dos pratos típicos e dieta de suas populações. Vale em um outro momento, pesquisar mais a fundo essa relação da Ásia com o México, sobre esses hábitos e tradições de povos cujas culturas são milenares.


Atendendo a demanda dos comensais urbanos e seus paladares, são nos mercados campesinos e mercados informais de las calles como as feiras livres e campesinas, onde a população tradicional dos campos e das periferias urbanas, mas também os chefs, cozinheiras e restaurantes gourmets vão em busca e, somente ali encontram essas especiarias que dão cores e sabores à culinária mexicana, como várias outras que abordaremos em outro momento, como a vainilla (baunilha), o cacau e o chocolate.


Do cultivo da semente na terra ao prato na mesa, o intermediário principal entre quem produz e quem deseja acessar esse alimento, como há miles de anos em territórios indígenas, mas não mais com a mesma centralidade que possuía, todavia hoje são os mercados campesinos, agora nos espaços urbanos e metropolitanos, quem respondem pelo abastecimento alimentar, sob a tradicional forma do comércio como o momento do encontro entre o produtor e o consumidor, que resistem à modernização dos grandes centros.


Somente nos mercados campesinos e ferias de las calles se encontra toda essa variedade e quantidade de chiles legítimos (hoje já se encontram variedades similares advindas da Ásia como China e Índia, que são comercializados pelas redes de supermercados, mas não possuem as mesmas características de cor, sabor e textura que as pimentas nativas e as técnicas locais de conserva), que integram a essência da culinária mexicana, ao mesmo tempo que constitui uma das bases alimentares dessa população.


Coincidência, determinismo, cosmologia asteca, inca ou não, com relação à geografia dos lugares de origem da pimenta, foi no Peru e no México, que conseguimos perceber e mensurar ainda que um pouco, a importância histórica, cultural, econômica, nutricional, e geográfica da pimenta tal como deveríamos todos. E tal como ocorre para quase todos os alimentos, nossa percepção e entendimento diretamente ligados a memória vai se esvaindo, com a banalização do simples ato de comer sem reflexão, quiçá geografia, história, nutrição...


Por fim, falar de los chiles mexicanos, mais uma vez nos demonstra que não falamos de um simples e qualquer objeto, mas de um alimento, que por si não é simples e ainda mais complexo quando guarda importância em todas as esferas que mencionamos. Olhar a pimenta como outrora, uma especiaria, por seu potencial na alimentação, na medicina e na saúde humana. Revisitar o passado é tomar consciência que ao consumir uma comida mexicana (con chile, pois sem não é comida), não está consumindo apenas uma pimenta mais, diferente. Está revisitando a sua origem, tendo contato com um passado milenar, que traspassa até o nosso prato através da transmissão de saberes, técnicas de domesticação e cultivo, que se realiza nas mãos campesinas que cultivam o presente e mantém essa tradição milenar.


Por essas e outras, principalmente nos países que originou, pelo menos ali, as pimentas, ou ají en Peru y chile en México, não são apenas pimentas, mas sim o aji peruano e o chile mexicano, isto é, os originais, parte integrante e elementar de seus respectivos patrimônios naturais e culturais, reconhecidos e preservados como tais por seus povos e culturas originárias.





"Yo creo que fuimos nacidos hijos de los días, porque cada día tiene una historia 

nosotros somos las historias que vivimos...

Eduardo Galeano

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