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Oração do Milho


Sou a planta humilde dos quintais pequenos e das lavouras pobres. Meu grão, perdido por acaso, nasce e cresce na terra descuidada.

Ponho folhas e haste e se me ajudares Senhor, mesmo planta de acaso, solitária, dou espigas e devolvo em muitos grãos, o grão perdido inicial, salvo por milagre, que a terra fecundou. Sou a planta primária da lavoura. Não me pertence a hierarquia tradicional do trigo.

E de mim, não se faz o pão alvo, universal. O Justo não me consagrou Pão da Vida, nem lugar me foi dado nos altares. Sou apenas o alimento forte e substancial dos que trabalham a terra,

onde não vinga o trigo nobre. Sou de origem obscura e de ascendência pobre.

Alimento de rústicos e animais do jugo. Fui o angú pesado e constante do escravo na exaustão do eito. Sou a broa grosseira e modesta do pequeno sitiante.

Sou a farinha econômica do proletário. Sou a polenta do imigrante e a miga dos que começam a vida em terra estranha. Sou apenas a fartura generosa e despreocupada dos paióis. Sou o cocho abastecido donde rumina o gado Sou o canto festivo dos galos na glória do dia que amanhece. Sou o cacarejo alegre das poedeiras à volta dos seus ninhos. Sou a pobreza vegetal, agradecida a Vós, Senhor, que me fizeste necessária e humilde Sou o milho.

(Cora Coralina)

"Yo creo que fuimos nacidos hijos de los días, porque cada día tiene una historia 

nosotros somos las historias que vivimos...

Eduardo Galeano

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