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Peralta - Uruguay

Foi na manhã de terça-feira, dia 24 de março, que conhecemos Peralta, distante uns 40 km ao norte de Paso de Los Toros pela Ruta 5, em frente aos “moinhos de vento”...

No dia anterior, em visita ao Ministerio de Ganaderia, Agricultura y Pesca em Paso de Los Toros, ficamos sabendo que haveria, no dia seguinte, “una feria de ganado” que acontece todo mês, tradicionalmente há mais de cem anos. Uma feira de comercialização de gados, ovelhas e cavalos, organizada pelos moradores daquela pequena vila. Manifestamos interesse em ir e a Aldana, veterinária do MGAP, cogitou que nós poderíamos acompanhá-la, embora ela estivesse à trabalho, poderíamos conhecer o lugar, a “Feria de Ganado de Peralta” e, principalmente, ter contato com os campesinos, produtores e compradores de gado da região.

Como combinado, Aldana nos encontrou às 8:30 no Touro, monumento principal da cidade, na Rota 5, perto da ponte que atravessa o Rio Negro. Deixamos o Touro para trás quando seguimos para Peralta... há no caminho aqueles gigantescos moinhos de vento, que produzem energia limpa e sustentável.

Soubemos que o Uruguay tem propostas para produzir, até 2017, 70% de sua energia a partir da força dos ventos que fazem girar aquelas gigantescas pás e hélices brancas, ao longo de um infinito horizonte de pampas...

Peralta é uma pequena vila.

Vimos poucas casas, mas sabíamos delas e também da escola...

A feira acontece em um lugar construído ali mesmo, na beira da estrada, sobre a terra gramada, com muitas toras de madeira e arame. A aparência inicial é a de um grande curral, mas aos poucos percebemos toda a estrutura e organização. Há uma tenda onde é vendido o almoço, e atrás da tenda, um braseiro no chão, onde é assada a parrilla, servida com pan e ensalada (salada fria de arroz, batata cozida, cenoura, milho, frango desfiado) e com o refrigerante local Pomelo - Paso de Los Toros. O dinheiro da venda dos alimentos é investido na escola.

Há uma pequena arquibancada de alvenaria, coberta, construída há muito tempo e um palanque a frente, neste local acontecem o leilão para as vendas e arremates, que atualmente, tem acontecido também pela internet, o que vem diminuindo, ao longo do tempo, a presença de pessoas na feira, botando em risco a existência de um ritual que une a comunidade em torno de uma centenária tradição gaucha.

São vários cercados, que são chamados lotes. Há uma área específica para a chegada dos caminhões, que chegam dos mais variados cantos daquela região, carregados de animais. Todos os animais que chegam e saem dali são inspecionados, e este é o trabalho da Aldana, nos dias de feria.

No dia anterior ela tinha nos dado uma aula sobre o minucioso processo de fiscalização das criações de gado e ovelhas pelos órgãos públicos do Uruguay. Explicou-nos que sendo essa a principal fonte econômica do país, há bastante cuidado para que todos os animais sejam vacinados e bem cuidados. E, no dia da feira, vimos que ela trabalhou bastante, mesmo!!!

Os caminhões vão chegando um a um, carregados dos animais que serão comercializados na feira. Soubemos que alguns caminhões vem trazendo animais de mais de um dono, já que para a realidade de muitos, o custo do frete para o transporte é bem alto. Então, cada um marca seu bicho do jeito que o identifique como seu, e seguem todos juntos até a feira e lá chegando, são separados cada qual em um lote específico. Todos os animais são inspecionados e avaliados pelos funcionários do MGAP. Um detalhe chama atenção para o fato de que todo o rebanho de gado do Uruguay, sobretudo os da feira neste pequeno pueblo, possuem um chip e são rigorosa e constantemente acompanhados e inspecionados desde o nascimento ao abate, incluindo também seus históricos de transações comerciais, doenças e proprietários.

Outro grupo que também trabalha bastante para que a feira aconteça, e que chamou nossa atenção, foi o dos gauchos uruguayos. Bravos homens, tipicamente trajados com bota e calças largas, chapéu e facão preso na cintura. Montados em seus bem cuidados cavalos - companheiros de lida, exibiam grande desenvoltura ao cavalgar de um lado para o outro, separando e organizando a boiada que aos poucos ia chegando. Emitiam sons, gesticulavam e tocavam o gado. Ali estes campesinos uruguayos iam passar todo o dia.

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Acompanhamos aquele que parecia ser o mais experiente deles - Sr. Eduardo Caetano - quando ele saiu do grupo para preparar o almoço daqueles que trabalhavam.

Como parte do pagamento pela labuta do dia, apanhou uma ovelha no lote das ovelhas, amarrou suas patas e, sobre o carrinho de mão, foi levando o animal até um local sombreado, debaixo de algumas árvores, e ali mesmo - onde acontece o abate - o animai foi içado pela pata traseira e a “faina” começou.

Ficamos ali, observando atentos. E, somente essa parte da história, daria um livro de impressões. Ao mesmo tempo em que nos impressionava ver de perto a morte da ovelha, pendurada de cabeça para baixo, nos impressionava também ver a habilidade e leveza do Sr. Eduardo trabalhando... retirando o couro com naturalidade, descolando-o por completo do corpo do animal e, antes de esticá-lo para secar ao sol, o colocou estrategicamente sobre o carrinho de mão, com a parte interna virada para cima para apoiar em seguida, todas as vísceras que saíram de dentro da barriga da ovelha em um só corte de faca traiçoeiramente amolada.

Órgão e vísceras são aproveitados na parrilla... O estômago foi lançado aos porcos, que com poucas bocadas, o devoraram inteiro. Pelancas e patas eram jogados aos cães do quintal, os passarinhos ciscavam o que havia. Sem a cabeça, a ovelha foi separada em quatro partes e dali mesmo, foi direto para o braseiro que já queimava as lenhas para a brasa que assa o alimento.

Além de acompanhar de perto todo o processo de faina da ovelha, aprendemos com ele a preparar a verdadeira parrilla uruguaya, onde a carne assa inclinada, sobre calor das brasas. Faz-se um preparado de ervas e sal diluído em água numa garrafa pet, esse é o tempero utilizado. Com a carne já na brasa, o Sr. Eduardo aquece a água para o chimarrão e descansa os pés das botas, num par de alpargatas e ali à sombra da grande árvore, o deixamos controlando o fogo do braseiro e temperando carne.

Já era hora de comer alguma coisa e do lado de lá, na tenda da cozinha, o outro braseiro ardia em chamas e uma fila nos convidava para o almoço. Alí, outro senhor assumia o posto de assador, enquanto as mulheres da vila serviam o prato de ensalada e nos orientava a escolher entre o asado, um pedaço de costela, ou o “chorizo”, a típica lingüiça uruguaia.

Todos preparados com muito amor, carinho e tradição pelos membros da comunidade!!!

De postre - sobremesa, escolhemos experimentar um delicioso pastel folhado, recheado com doce de leite (ao invés do de membrillo, nosso marmelo do Brasil)!!!

Delícia!!!

Fizemos amizades preciosas nesse dia!

Entre elas o Fernando Blanco Mendoza, morador de Peralta que realiza um projeto social com esporte para jovens e adultos... jogador de futebol do time veterano da comunidade, este arqueiro uruguayo conversou sobre la pelota y sobre la vida en el campo de uruguay con Nosotros. Compartilhamos de muitos pontos de vista e ficamos gratificados por conhecer mais uma pessoa tão especial nesse país, que nos encanta por suas terras e gentes!

Pouco tempo depois, a Aldana já havia concluído seu trabalho para aquele dia. Nós voltaríamos para Paso de Los Toros, mas a Feria de Ganado estava apenas começando. Os companheiros do Sr. Eduardo Caetano, que ya tenían hambre, também aproveitaram a hora para se alimentar, afinal já fazia um tempo que a ovelha assava no braseiro pelos cuidados daquele simpático e vivido senhor.

Não sabemos se um dia estaremos ali outra vez, mas esperamos que sim!!

Gostaríamos de reencontrar com todas aquelas pessoas em outro momento... para tomar um chimarrão, comer uma parrilla, nos reconhecer enquanto latinos e compartilhar os aprendizados da vida numa simples roda de conversa.

"Yo creo que fuimos nacidos hijos de los días, porque cada día tiene una historia 

nosotros somos las historias que vivimos...

Eduardo Galeano

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