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EntreFronteras Latino Americanas


Seguindo o roteiro e proposta de nossa viagem, passaremos neste período de um ano na estrada, entre vários países e também por muitas regiões e cidades ditas ‘de fronteiras’, visto que estamos percorrendo o continente latinoamericano, em sua maior parte, por vias terrestres, isto é, por meio de ônibus, a pé e sempre que possível, as caronas.


Conhecer fronteiras... Cruzar, atravessar, expandir, ultrapassar, não ultrapassar, respeitar... Estes são alguns termos que comumente escutamos falar ou mesmo utilizamos em nosso cotidiano quando nos referimos a elas... fronteiras...


Mas você já refletiu sobre o que é uma fronteira nacional? Já imaginou como é ou tem curiosidade em saber como deve ser? A mim, essa história de fronteira sempre soou intrigante...


Segundo definição do dicionário, o termo fronteira significa: “Extremidade de um país ou região, do lado por onde confina com outro. Linha divisória entre duas regiões ou países. Confins.”


Também objeto de estudo de várias ciências, para a geografia, e mais precisamente a geopolítica, as fronteiras sempre dizem respeito a território, a poder e soberania nacional. Fazendo menção direta a antigos e atuais Impérios, à história de formação dos países e Estados Nação, aos limites territoriais e a Guerras que marcaram e marcam a história e a nova ordem mundial que vivemos e fazemos parte.


Retomando a discussão do termo fronteira por veias geográficas, quando se observa o mapa da América do Sul e a sua atual configuração político-administrativa, percebe-se dos doze países que somados ao Brasil compõem o continente, que o Brasil ‘es el país más grande de nuestra Sur America’ o qual se destaca por sua extensão territorial, com aproximados 8.500 km² de área que ocupa 47% da porção centro oriental do continente.


E acerca destas grandes terras, chama a atenção também o fato de o Brasil possuir 23.102 km de fronteiras, sendo 15.735 km terrestres e 7.367 km marítimos, em outras palavras o território brasileiro só não possui fronteiras com o Chile e o Equador, ou seja, dois dos doze demais países que conformam o continente sul americano.


Durante algumas de minhas andanças de geógrafo, tive a oportunidade de cruzar e conhecer algumas das fronteiras nacionais de nosso continente as quais sempre me questionei, sobre como deviam ser e, depois de conhecidas e atravessadas, continuam a me chamar a atenção por suas atmosferas peculiares e ritmos diferenciados dos demais lugares.. Aqui compartilho com os amigos e interessados no assunto, por meio de relatos, um pouco das experiências e impressões dessas fronteiras...

Tríplice Fronteira - Brasil / Paraguai / Argentina


Do próprio território brasileiro para os países vecinos, a primeira fronteira que cruzei, foi à tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina. Uma das fronteiras mais conhecidas, mal afamadas e ainda assim, mais frequentadas por brasileiros. Onde estão situadas respectivamente as cidades de Foz do Iguaçu-PR, Ciudad Del Este e Puerto Iguazu. Os atrativos naturais, turísticos, comerciais, e propriamente a mistura das características ‘tri-pontuais’ de uma região de fronteira, dão ao lugar uma atmosfera ímpar.


Entre fronteiras políticas e naturais que delimitam os territórios nacionais... paradoxalmente sobre o curso do rio Paraná – fronteira natural e Marco político que separa os territórios do Brasil e do Paraguai - encontra-se a “gigantesca” Usina Hidrelétrica de Itaipu (maior do Brasil, do Paraguai e até pouco tempo a maior do Mundo). Construída no período das ditaduras militares nesses países, tem até hoje sua administração e geração de energia em escala Binacional. E nos coloca, ainda que sobre fronteiras, em relação permanente com este vizinho.


Da mesma forma, também sobre o curso do rio Paraná, mas em menores proporções arquitetônicas localiza-se, 15 km ao sul da Usina Binacional de Itaipu, a simples e movimentada Ponte da Amizade - pintada à metade de verde e amarelo, e a outra azul, vermelho e branco – simbolizando a partir das cores, os limites territoriais de ambas as nações. Destaca-se, todavia sobre fronteiras políticas e naturais, que esta nos liga de forma ainda mais fluida e intensa, com nossos hermanos guaranis.


Do ponto de vista territorial ao sociocultural, as impressões também são marcantes... basta cruzar a pé, em menos de 5 minutos, a Ponte da Amizade, e já saiu de Foz do Iguaçu no Paraná e está em Ciudad Del Este, no território paraguaio. ‘Ciudad’ esta que é o segundo maior centro urbano do Paraguai, além de terceira maior zona franca de livre comércio do mundo, depois de Miami e Hong Kong.


Neste contexto, e considerando o constante fluxo de pessoas e mercadorias, pode-se destacar que esta fronteira nacional não é tão controlada, ou fiscalizada pelas forças policiais de ambos os países. Como mencionado, você atravessa de um país para o outro com naturalidade, sem perceber, apenas cruzando a ponte da Amizade. Tá certo, que carros carregados com mercadorias, e principalmente motoboys e mototaxistas frequentemente estão sujeitos ou são parados, e revistados.. no entanto é possível afirmar que do lado brasileiro essa fiscalização é maior, ainda que rala e quase insignificante diante a escala e característica dessa região de fronteira.


Por aqui do lado tricolor da ponte, os brasileiros não necessitam, apresentar passaporte, visto, e estudar ou saber previamente o espanhol, o idioma que predomina nas ruas e comércios é o ‘portuñol’, e todos certamente te entendem e fazem-se entender. Apenas no ato de caminhar pelas ruas e galerias de comércio ainda nas proximidades da ponte ou fronteira, de tudo que imaginar ou nem imaginar chega até você por meio de explícitas e sublimes ofertas. A atmosfera é agitada, e ‘correria é mato’ por aqui. Muito barulho, muitas pessoas, vendedores, ambulantes, guardas, todos gritando, expondo os produtos, te ofertando, negociando, multando... carros, motos, bicicletas, pedestres, cachorros compartilham as ruas, calçadas e diversas galerias... se parar pra pensar no meio do caminho, o mar de gente te arrasta pra frente, seguindo a maré das compras, tramites e negociações.. roupas, calçados, eletrônicos, eletrodomésticos, importados, bugigangas, apetrechos, produtos ‘chinos’, armas, e drogas... têm de tudo, no atacado e varejo, da forma que o cliente preferir... pirata, paralelo ou original... nas lojas, nas ruas, esquinas e quebradas... aqui o formal e o informal também se misturam... o típico ar do clandestino e do legal, aqui é cultural... ou melhor cultura marginal.. algo comum, subentendido, para aqueles que ali nascem ou escolheram viver na(s) margem(s)... nas fronteiras.. entre territórios nacionais...


Onde o dia parece ter mais que 24h, sobre e sob a ponte que nos separa e nos une, o fluxo de pessoas, mercadorias, veículos, e outras ‘cositas más’ é contínuo e incessante.


Ainda na tríplice fronteira, porém marcando a fronteira política e territorial com a Argentina, o leito do Rio Iguaçu (um afluente do rio Paraná) que, nesta parte de seu curso, forma as belas quedas d’água das Cataratas do Iguaçu, delimita os territórios da Iguaçu brasileira da Iguazu argentina, bem como a soberania desses países.


À parte das Cataratas do Iguaçu - que não nos cabe falar aqui embora não à toa componha o quadro de uma das ‘sete maravilhas’ do Mundo - o percurso de Foz para Puerto Iguazu, diferente de Foz - Ciudad Del Este, onde os núcleos urbanos são bastante conurbados, é mais extenso e você cruza a fronteira com aproximados 30 minutos de carro ou de ônibus pela Avenida das Cataratas e... por este caminho, diferente da fronteira ‘brasiguaia’, você passará pela aduana e controle migratório... assim, após passar pela aduana de migração argentina, apresentar seu documento de identidade, do outro lado da fronteira, já nota ou percebe-se de imediato uma atmosfera mais tranqüila e um tempo menos acelerado que nos lados brasileiro e paraguaio.


Apesar do grande movimento de veículos brasileiros atraídos na época, sobretudo pelo preço do combustível, que era significativamente inferior ao praticado no Brasil - embora ironicamente nosso vizinho não seja grande produtor, quiçá um país exportador de petróleo como nós - Puerto Iguazu caracteriza-se como uma cidade não tão grande e movimentada como Foz, tampouco movida pelas trocas e fluxos comerciais, como Ciudad del Este. Mas economicamente sustentada pelo turismo, e mais propriamente pelo atrativo ímpar das Cataratas do Iguaçu, dão, por conseguinte, um ar mais sereno às arborizadas ruas da cidade argentina e dependendo da época do ano, outro aspecto de fronteira à interiorana municipalidade de Puerto Iguazú, na Província de Misiones, distante aproximadamente 1.300km ao norte da capital federal de Buenos Aires.


Fronteira Brasil / Bolívia


Já em outra oportunidade, atravessei também, a partir do Pantanal Mato-Grossense, a fronteira entre o Brasil e a Bolívia. Uma região de bioma e ecossistema únicos, rico de diversidade o qual pude conhecer ao participar de um Encontro Nacional de Estudantes de Geografia (ENEG) na cidade de Cáceres, região de fronteira com San Matias.


Encerrado o encontro, o ônibus da Universidade partiu e eu fiquei por mais um dia na cidade de Cáceres (que tem o título de capital nacional da Carona), pois após uma semana de encontro, dali ainda estenderia a viagem por mais um mês a fim de conhecer a Bolívia para além dos livros, imagens e dados estatísticos, e chegar então até o Lago Titicaca, na fronteira com o Peru.


De volta à fronteira em questão, cruzar do Brasil para a Bolívia foi no mínimo diferente e curioso, como sempre ocorre nesses casos em que se depara com o desconhecido. Afinal bem pouco, ouvimos falar nos meios de comunicação ou aprendemos nas escolas sobre este país, que é mais um vizinho latino.


De Cáceres-MT para San Matias, a realidade e o clima de tensão da fronteira é bastante presente, ainda que esta pareça tranqüila devido à relativa distância entre os núcleos urbanos e a zona de fronteira propriamente dita, e o pouco movimento e fluxo de pessoas entre as cidades. Diferente de outras fronteiras políticas, onde coexistem fronteiras naturais, ou obras humanas como Pontes ou Marcos que simbolizam-na, por aqui apenas a fronteira política, da fictícia linha imaginária dos mapas e duas pequenas aduanas e polícias de migração, de ambos os países demarcam os territórios.


Entre Cáceres-MT e San Matias se encontra também o pequeno pueblo de Corixa, distante mais ou menos 100 km e 1h30min de viagem em boas estradas do ponto de partida. Por sua vez é de fato a primeira comunidade em terras bolivianas, e está a apenas 8km de estradas não pavimentadas da cidade e nosso destino de San Matias.


A viagem até Corixa é feita somente em Vans (ainda em boas condições) que partem de Cáceres de hora em hora. Ali parei durante o dia e pra não dizer que não há um Marco de fronteira, há um simples clube que conta com uma pequena cachoeira e uma piscina com água natural. Esta última foi construída simbolicamente sobre a linha imaginária entre os países, havendo ao redor desta um barranco de gramado ralo e dois escritos, de Brasil e Bolívia, com pedras brancas, que identificam as partes da piscina ‘binacional’ referentes à cada limite de fronteira.


Além do atrativo do clube, em Corixa não há muito que fazer, quando se está de passagem por este pequeno Pueblo. No entanto apenas ao atravessar uma linha fictícia – conhecida como fronteira, já se percebe como ocorrem mudanças bruscas e notáveis, se muda o idioma, alteram as fisionomias das pessoas, brasileiras e bolivianas, sendo estas últimas facilmente reconhecidas por seus traços fortes, marcantes e típicos da região andina. Predomina aqui, não mais a miscigenada população brasileira, mas uma população de características físicas e hereditárias, mais homogêneas.


Seguindo de Corixa para San Matias, como não existe uma linha ou empresa de ônibus na região, segui caminho numa viagem curta, curiosa e desconfortável, feita somente por taxis locais. Embora facilmente recompensada pelo belo visual de matas virgens que nos acompanha. Esses taxis na Bolívia já chamam a atenção, pois são veículos exóticos, modelos antigos da Toyota à mão inglesa, com volantes adaptados para o lado esquerdo do motorista enquanto o velocímetro permanece no lado do carona. As estradas que no Brasil eram de asfalto, agora já são de terra batida e, poucas casas espaçadas entre si aparecem vez ou outra em longas retas desse caminho.


Em San Matias passei a noite, pois era onde estavam a Aduana e Gefron – a polícia migratória – necessários de visitar no dia seguinte para solicitação do ‘Permiso’ de entrada e permanência no país. Já na aduana, que bem rústica lembra um bar ou boteco brasileiro, após me perguntarem qual o motivo da ida e quanto tempo ficaria na Bolívia, passar por uma revista na mochila e na pochete, segundo o taxista ato comum com os universitários que se aventuram pela região, e enfim conseguir o ‘Permiso’ com validade de um mês, segui meu rumo para o interior do país, até Santa Cruz de La Sierra, uma das principais cidades da Bolívia, e ainda na parte baixa do território boliviano, antes de chegar aos Andes.


Mas as curiosidades dessa fronteira Brasil-Bolívia foram várias, já iniciadas no taxi de Corixa e depois ao ver o ônibus que nele viajaria de San Matias até Santa Cruz, ou seja 800 km, dos quais 500 km de estradas de chão e 300 km de asfalto. Num ônibus um tanto incomum, na qual a cabine do motorista era bastante enfeitada com apetrechos e ‘pompons’ coloridos. Tinha grandes rodas, próprias para estradas de terra, adaptadas ao seu perfil urbano. No letreiro que indica o destino e na janela traseira, estava escrito “Governo do Estado de São Paulo”. As malas eram carregadas tanto no bagageiro comum na parte de baixo do ônibus, como também sobre o veículo num bagageiro adaptado, completamente cheio de mercadorias, móveis, encomendas e também malas e mochilas, categoricamente equilibradas, amarradas e cobertas por uma lona a proteger da chuva. Dentro do ônibus, ele estava também lotado de gente, todas as cadeiras ocupadas e uma fila de cholas y sus niños sentadas no corredor e com várias sacolas. A maioria dos passageiros eram bolivianos, de San Matias e de povoados próximos. Se infiltrando e esbarrando entre as pessoas e pedindo licença, ‘permiso, permiso’ cheguei no meu assento. Cheiros diversos se misturavam ali, cheiro de gente, de comida, do lugar. Vozes, barulhos e conversas também, ainda mais quando na televisão do ônibus, passava um filme antigo de luta do Van Dame e logo depois, una película de guerra e muito tiroteio, não lembro o nome dos filmes, mas todos assistiam atentos, as vezes riam e comentavam. E nesta longa viagem, de aproximadamente 15h, uma experiência única, na qual muita coisa ainda aconteceu nas paradas para almoço e janta, onde peculiares e exóticos também eram os banheiros ou toaletes, desconhecidos por mim até então.


Contudo, assim como ocorre em outras fronteiras latinas, o tráfico de drogas, nesse caso, sobretudo de pasta base e cocaína, e o contrabando de mercadorias e veículos furtados entre os países, são intensos e tornam a região constantemente patrulhada por forças policiais e do exército de ambas as nações, que volta e meia fazem operações na cidade, sobretudo pelo lado brasileiro. Da mesma forma, comerciantes traiçoeiros, ofertas e propostas tentadoras ocorrem de ambos os lados, nas cidades de fronteira. E, nessa fronteira silenciosa e aparentemente tranqüila, logo se sente que o clima não é dos melhores. Porém, como ocorre em ‘quase’ todos os lugares, se você não tem culpa no cartório, não precisa caminhar temeroso pela região, mas por aqui é lei respeitar os nativos, as comunidades, sentir a atmosfera e seguir as regras do lugar. E como já nos alertam os ditados amigos que dizem que em terra de cego quem tem um olho é rei, ressalto que em terras de fronteiras, inclusive as silenciosas, um só olho em alerta não basta, são realmente precisos e preciosos os dois, pois é “com um olho no padre e outro na missa” que você deve estar.


Fronteira Brasil / Peru

Com cenários e situações um tanto parecidas com a fronteira acima descrita entre Brasil e Bolívia, e que oportunamente também cruzei após um Encontro Nacional de Estudantes de Geografia, que dessa vez havia sido realizado em Porto Velho-RO, foi à fronteira entre o Brasil e o Peru, pela Região Amazônica de ambos os países.


Da capital de Rondônia para a capital Acreana, tomei um vôo num avião monomotor de pequeno porte, cujas passagens são econômicas e, que decolou de Porto de Velho-RO às 11h da manhã. E, após sobrevoar por uma hora a grandiosa região amazônica, seus grandes rios e suas diferentes tonalidades de verde, pousou em Rio Branco-AC também às 11h da manhã. Como? Devido à mudança de fuso horário, visto que na época dessa viagem (2008), o Brasil ainda possuía quatro divisões de fusos e o estado do Acre, por ser o mais ocidental no território brasileiro, ainda tinha um fuso próprio, com 2h de diferença em relação a hora oficial de Brasília, e 1h ao estado de Rondônia.


Aproveitando das coincidências, passei alguns dias na casa de meu primo Lúcio Flávio, também geógrafo e professor universitário que mora no Acre, e geograficamente me apresentou muito bem a cidade e os arredores de Rio Branco, ao ponto de querer ficar mais dias por ali e certamente voltar noutro momento. Também compartilhou dicas e conselhos da região de fronteira, e da rodovia transoceânica (ainda em construção), visto que já havia trilhado esses caminhos que levam ao país vizinho.


Assim, como estava apenas de passagem por Rio Branco, após três dias nas terras dos seringais e de Chico Mendes, agradecido por tudo, segui meu caminho para o próximo destino que era a cidade de Puerto Maldonado, no Peru.


Mas de Rio Branco para Puerto Maldonado, não há uma rota de ônibus direto, e assim, este caminho se apresenta ao mochileiro e geógrafo, uma prazerosa e diferente aventura, que se inicia com uma viagem de 350 km e aproximadamente 6h pelo estado do Acre, seguindo o percurso do rio Acre e atravessando a Amazônia brasileira em precárias estradas, até a cidade de fronteira de Assis Brasil-AC, com constantes variações de paisagens lindas de florestas viva e tristes retratos na memória, de negação da vida em seu estado mais puro, de árvores centenárias abaixo, de grandes clarões e ambientes hostis de mata queimada, que são como feridas na terra, marcas recentes da presença e intervenção humanas.


Já em Assis Brasil-AC, que é de fato a cidade de fronteira com o Peru, o Rio Acre delimita a fronteira natural e política que separa o território e a soberania dos países, assim como a Amazônia, sendo brasileira numa margem deste rio e peruana na outra. Nessa pequena e urbanizada cidade de fronteira, com aproximados 5 mil habitantes, o comércio também é forte mas em menores proporções que as demais fronteiras já citadas. Este fluxo de pessoas e comércio, por aqui ocorre na escala local da fronteira, isto é, entre peruanos de Puerto Maldonado e Povoados da fronteira e brasileiros de Assis Brasil, Brasiléia e Rio Branco, sobretudo cidades do Acre. Fiquei por aqui apenas algumas horas, do momento da chegada, um tempo para almoçar nas proximidades do terminal, e dar uma volta pela ponte sobre o Rio Acre que interliga as pátrias vizinhas.


De Assis Brasil, segui a jornada ‘hasta’ Puerto Maldonado, tomando um taxi informal, para cruzar a fronteira até o primeiro povoado em terras peruanas, a pequena e quase nada urbanizada Iñapari, distante apenas 6km ou 20 minutos de viagem em estradas de terra passando por seringais e resquícios de selva amazônica nos limites do estado do Acre, até onde os taxis brasileiros podem chegar. E nesta pequena cidade de fronteira, estão situados a Aduana de Imigração e Polícia de Fronteira, instalados numa pequena cabana de madeira, onde foram feitos os tramites, e seguindo o protocolo uma revista básica na mochila e algumas perguntas: Qual o motivo da viagem? Por quanto tempo pretende ficar em território Peruano? Está carregando alguma espécie de planta, semente ou fruto? E em seguida, Buena Viaje, Suerte.


A partir de Iñapari para Puerto Maldonado, saímos às 16h e foram mais 230 km em quase 4:30h de viagem num outro taxi, desta vez de nacionalidade peruana. Toda a viagem ainda em estradas de terra, por entre a selva amazônica peruana, mais preservada, pouco habitada e desmatada se comparado imediatamente à região da fronteira brasileira. O taxi, iniciou a viagem em Iñapari com três pessoas, eu, um amigo (txai) e o taxista. No entanto, ao longo do caminho, entraram no taxi que era um veículo tipo Parati, mais 4 pessoas que moravam e trabalhavam nessa zona com extração de castanhas do Pará. O senhor que entrou por último e aparentava ter seus 80 anos, como o carro já estava cheio e apertado, iria no porta-malas, mas sem entender muito o contexto, instintivamente troquei de lugar com ele, pois mesmo tendo sido um dos primeiros a entrar no taxi, minha consciência preferiu assim.


Após essa longa viagem, de muitas conversas e trocas de saberes, embora nem um pouco confortável, contudo curiosa, chegamos já era noite por volta de 21h, à Puerto Maldonado. Aqui dormi num hotel, e no outro dia pude conhecer também esta pequena cidade de 38 mil habitantes que é a capital do departamento de Madre de Diós. Mesmo nome que batiza o grande rio que atravessa este departamento, sendo um dos principais afluentes do Rio Amazonas, cujas águas - por sua vez ignorando e permeando fronteiras nacionais - vem desde as altas geleiras da cordilheira dos Andes, corta todo o extenso território brasileiro de oeste-leste, e milhares de quilômetros depois, finalmente suas águas dulces deságuam no Oceano Atlântico.


Do ponto de vista cultural e ambiental, percorrer esta fronteira entre o Brasil e o Peru também foi uma experiência única. Uma imersão na região Amazônica, que me permitiu compreendê-la de outra forma, por suas vias terrestres e com meus próprios olhos, passando entre florestas, árvores gigantescas e rios enormes, observando uma população que se relaciona e adapta-se constantemente ao meio natural em que vivem. Onde a natureza ignora as fronteiras, e os povos que aqui vivem, sob variados cenários se mesclam entre as nações vizinhas.


Fronteiras: Chile / Argentina e Peru / Equador


Já fora de terras brasileiras, tive ainda oportunidades de cruzar as fronteiras entre o Chile e a Argentina, e também do Peru ao Ecuador. No primeiro caso, foi uma viagem de ônibus de Santiago a Mendoza, passando por entre a cordilheira dos Andes em sinuosas pistas, inclusive no trecho conhecido como ‘Los Caracoles’. Ao longo desse caminho que por vezes cai neve, se situa também e é possível avistar de bem perto, o ponto mais alto da cordilheira dos Andes, das Américas e de todo o Hemisfério Sul: o imponente Monte Aconcágua, com seus 6.960m de altitude que, nos coloca miúdos diante de sua presença e relembre-se, ainda está em formação.


Já a fronteira entre o Peru e o Equador, atravessei a partir do litoral, saindo da cidade de Mancora no departamento peruano de Tumbes, para a cidade de Guayaquil, já no centro do Equador, em vinte horas de viagem de ônibus, e diversas paisagens de transição, que iam desde as praias e semi-desertos na parte baixa, e a medida que ganhávamos altitude vislumbravam-se serras e cachoeiras entre a floresta equatorial-equatoriana. Mas por essas duas fronteiras não comentarei neste momento, pois passaremos novamente em breve com o Projeto Expedição Nosotros Latinos, e dessa vez juntos vivenciaremos e publicaremos nossas impressões e registros fotográficos também sobre mais essas duas regiões de fronteira.


E por fim, entre fronteiras latinoamericanas, é sabido que fronteiras políticas hão de estar presentes em ambos os lados, e concomitantemente as forças policiais, aduanas de migração, receitas federais, que por suas tarefas ‘controlam’ ou tentam controlar o fluxo de pessoas, mercadorias, bem como, buscam assegurar os limites e soberania dos territórios nacionais...


No entanto, a nós cidadãos latinos, cabe ultrapassar, expandir e cruzar estas fronteiras que são meramente imaginárias e nos são impostas... Pois basta cruzá-las ou conhecê-las, que as percebemos apenas como tais, símbolos.. o qual para além destes, estamos todo sob o mesmo céu, sob a mesma lua e o mesmo sol, e todavia sob as mesmas chuvas... Os rios que correm aqui, correm também acolá.. os problemas que temos aqui, tenemos tambiém acolá... e no fundo, somos todos latinos, cidadãos do mundo e filhos da Terra, independente da nacionalidade ou de que lado da fronteira você está.


Porto Alegre-RS, Domingo, 15 de março de 2015.


"Yo creo que fuimos nacidos hijos de los días, porque cada día tiene una historia 

nosotros somos las historias que vivimos...

Eduardo Galeano

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